editorial
Para não sucumbir é preciso transgredir
Kátia Sento Sé Mello*
A maior riqueza do homem é a sua incompletude
Nesse ponto sou abastado
Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito
Não aguento ser apenas um sujeito que abre
portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra o pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,
que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros
Eu penso renovar o homem usando borboletas
(Manoel de Barros – poema de Retrato do artista quando coisa)
Os trabalhos reunidos neste número da Revista Stylete são potentes e impactantes pela força e beleza da poesia que carregam e o convite à transgressão.
Alexandre Marzullo nos surpreende com a sua tradução do soneto de Lacan, Hiatus Irrationnalis ou Panta Rei, escrito em 1929. Mais do que uma tradução literal o autor brinca com as palavras e as rimas que se enredam em filosofia e psicanálise. Como ele diz, diante da razão, trata-se da descoberta de um lugar onde não se pensa...
Bárbara Guatimosim e Ricardo Augusto Souza nos tiram do lugar. Em Traumatismo, corpo e segregação: o trabalho com a imagem de Peter chicoteado, os autores trazem esta imagem e suas marcas/queloides que são traumatizantes. Ao mesmo tempo, quanta subversão e força para crermos que é possível transgredir e não sucumbir. Ou melhor, para não sucumbir é preciso transgredir.
Em Condansação, Miriam Ximenes Pinho-Fuse entrelaça criativamente a ideia de Poesia em Ezra Pound à condensação como estrutura do sonho em Freud, destacando que este fez da condensação – e do deslocamento – ‘os dois mestres artesãos’ do funcionamento inconsciente.
Tallita Araújo Vieira Barros parece nos levar a um repente entre a sustentação de um cartel – ou sua queda – e a dissolução da Escola de Lacan, decidindo perseverar e, assim como Lacan, diante do aparente fracasso, reforça é por isso que dissolvo. Esta é a reflexão em Sobre transferência de trabalho ou quando o cartel caiu.
O Outro sou eu? Diz-me com quem andas que te direi quem és... é a poesia de Vanisa Moret Santos advertindo que o Outro é o diretor da cena, é o próprio inconsciente que opera nas nossas escolhas. A par disso podemos reconhecer melhor os mecanismos que compõem nossas escolhas inconscientes para podermos mudar o rumo dessa história escrita em nós e por nós.
A galeria de arte deste número apresenta belos trabalhos da artista plástica niteroiense, Natali Tubenchlak, fundadora do “Barracão Maravilha – Arte Contemporânea”. Seus trabalhos se constituem de uma pegada ecofeminista e pornopolítica, provocando no espectador um deslocamento da sua zona de conforto.
*Psicanalista membro FCL Rio de Janeiro
Editora geral – Revista Stylete/EPFCL Brasil
styelete lacaniano. ano 9, número 26